Thursday, July 31, 2008

Um dia aprendo a caçar borboletas. Hoje é o dia?

"- Se eu nada fizer, nada existirá.
- Mas, se fizeres, poderá existir. Ou não.
- Sempre a inexistência tem mais força? - pergunto.
Mas não particularmente a ela.
- É a Graça, Gabriela - diz. Um dom.
E escreve no seu caderno: «um dom vem colocar-se ao lado do meu fazer para o proteger do nada».

(...)

Há naquela frase - a que está escrita no caderno - , a disposição de um combate.

(...)

Passa uma borboleta entre nós.
Não apanhar com a mão uma borboleta (penso) é tornar forte a regra que se estabeleceu nela.
- Que regra?
- Não se deitar fora a si própria, Teresa."

Maria Gabriela Llansol
in Ardente Texto Joshua

Thursday, July 24, 2008

Fora de brincadeiras

Uma das crianças está de pé, com os braços abertos e pernas afastadas, ou juntas, conforme se sentir mais apoiada. A outra está um passo e meio à frente, de costas para a primeira.
Segue-se a parte da acção. Sem olhar para trás a segunda deixa-se cair, porque a primeira está pronta a recebê-la, evitando a queda.
Hakuna Matata, sem problemas. Tolera-se um friozinho na barriga, uma espécie de vertigem de hesitação; mas não vale (mesmo) olhar para trás.

Entre as várias brincadeiras que se ensinam às crianças, esta é provavelmente
a mais romântica, e certamente das mais difíceis. Mas apenas para quem assiste.
Convencer um companheiro a deixar-se cair, ao mesmo tempo que nos convencemos de que somos capazes de o segurar, é coisa que entre crianças até se resolve de forma simples, caso o jogo corra mal.

- Então pah, tás parvo ou quê?

- Pah, tu é que caíste depressa demais, e ainda por cima és pesado!


mais um empurrãozito ou outro e um balanço final de cotovelos esfolados e umas nódoazitas negras nas costas.

Afinal, a verdadeira dificuldade surge quando já não é altura para brincadeiras, e a fasquia aumenta. O peso também.
E aquela vertigem de hesitação é agora enorme, de ambos os lados.

«Não posso exigir que ele aguente com o meu peso»

«Não posso garantir que estou preparado para evitar a queda»

- O melhor é não jogarmos ao jogo romântico.


Convenhamos, fora de brincadeiras: não se trata de quilos a mais.
Estamos todos parvos, ou quê?

Friday, July 11, 2008

Devia ser como no cinema...



Mas esta viagem tem muito mais de 100 minutos e o roteiro vai-se (re)fazendo. Pode, sim, tornar-se complexo (e vazio) o conceito de happy ending.
A cada tentativa de o roubarmos ao cinema.

Wednesday, July 2, 2008

Mencionar um texto como exemplo de autoridade; citar


"- Como estás?
é uma bela questão. Normalmente respondo
- Sei lá
porque não gosto de mentir. E sei lá de facto. Umas vezes estou redondo, outras quadrado, outras cheio de picos, outras liquefeito, outras não estou sequer: deslizo por aí armado em nuvem.
- Como estás?
e é impossível responder
- Deslizo por aí armado em nuvem (...)".


António Lobo Antunes in Visão

8 de Fevereiro de 2008

Tuesday, July 1, 2008

(...)


"há uma palavra mágica que se diz. essa palavra


é sempre diferente. montanha, precipício, brilho.


essa palavra pode ser um olhar. a voz. um olhar.


essa palavra pode ser o espaço de silêncio onde


não se disse uma palavra. brilho, ...........,montanha.



essa palavra pode ser uma palavra, qualquer palavra.


há uma palavra mágica que se diz. há um momento.


depois dessa palavra, só depois dessa palavra,


pode começar o amor."


José Luís Peixoto
A Casa, a Escuridão.



Havia qualquer coisa de irritante neste poema, sem que isso me impedisse de o recordar.

A palavra que lhe dá o título: Encantamento.

Mas se há sempre uma palavra mágica - e cada um de nós pode defender a sua - sugiro entendimento.


Do silêncio, dos olhares, dos gestos. Meus e de quem me conhece, decifra e de certa forma - porque é sempre de uma certa forma que falamos - compreende. E vice-versa, ou não.

Pode não ser a mesma palavra.

Há qualquer coisa de irritante neste poema, sem que isso me impeça de o recordar. Assim, de vez em quando.