Thursday, July 26, 2007

(Not) Everyman, because he said the sun was coming

Ler um livro implica sujeitarmo-nos a alterações no estado de espírito. Porque o livro é bom e só por isso as provoca, ou porque a ausência de estímulos faz dele um mau livro - e o mais provável é irritarmo-nos e passarmos para outro.

Há livros tão bons que nos magoam. Everyman é duro, cru e dolorosamente sincero. Nele não há mistério, uma vez que começa pelo fim. É a certeza desse desenlace que nos prende - não há como fugir à frieza e ao fechamento daquele publicitário sem nome excepto o de pai, filho, irmão, tio, amigo, ex-marido e amante, dominado pelo medo do declínio e da morte, num combate desigual que o empurra para uma «distorção do carácter».

No contexto de uma descida pela costa alentejana a leitura aguerrida calhou num dia de tempo cinzento, frio e até chuvoso - cenário mais do que adequado ao teor da obra.
Finda a última linha sente-se o cansaço de quem se rende à evidência de que naquele homem e nas suas reacções cabiam todos os outros e outras atingidos pela doença, desalento e solidão.
Tendo de disfarçar o efeito alienante do livro perante o grupo em redor, só se consegue responder «é pesado!».

Mas o dia acabou por abrir num fim de tarde na praia da Zambujeira, com o sol quente a querer bater nas costas.
Já não é ao livro mas ao sol que me rendo, deixando-me adormecer. A música de fundo que me embala (exclusivamente a mim) anuncia o sol que eu já tinha sentido, e faz crescer a convicção de que nem todos os homens cabem no título deste livro (ou pelo menos nos seus conteúdos mais escuros) - porque tive o privilégio de conhecer uma excepção.

Há livros tão fortes que nos marcam, mas nunca sozinhos. Como naqueles programas de tv onde se cuida da imagem e que mostram o antes e o depois.
O antes: umas linhas escritas à mão na página anterior ao prefácio, a justificar o presente; a recomendação de alguém que nos é importante; um impulso face à montra da livraria.
O depois? Pode ser a simples recordação de quem nos acompanha, esteja onde estiver.

3 comments:

Maria de Castro said...

"Uma excepção"... Isso dá pano para mangas.

bjs vindos de London City

P.S.: Excelente texto!

Anonymous said...

Muitos parabéns pelo texto. Sabes, não fui capaz de escrever sobre o livro. Tentei. Peguei na caneta, segurei-a com força, apertanto-a com estes dois dedos assustados, olhei a folha mas não consegui, não consegui disfarçar aquele ritual desajeitado, aquela vontade irreflectida, aquele medo, sobretudo aquele medo. Era cedo para juntar as palavras. Hoje tenho a impressão que noutro dia qualquer também será cedo, assustadoramente cedo para olhar. É dificil dizer que importância têm os livros na nossa vida. Uns reaparecem nas horas mais estranhas, outros permanecem silenciosamente à espera do momento certo, outros ainda, que se extinguem por completo da nossa existência, e ainda há aqueles que se diluem como água e vivem conosco no nosso corpo. De maneira que não sei o que este livro fará em mim. Porque me parece pouco falar em alteração do estado de espirito. Acredita, este livro quis matar-me, é assim que o imagino. Agora, depois da batalha, vive como um virus, recuperando o fôlego, hospede em mim, ao lado de outras pedras. Um dia ouvi um escritor dizer que morreu aos 23 anos. O que mata uma pessoa antes de ela morrer? A consciência total da finitude em nós? Possivelmente. Ou então, seguimos vivendo como o homem aburdo (revoltado). Pelo caminho, seja ele qual for, talvez vejamos o céu abrir-se mesmo por cima das nossas cabeças, deixando-nos enfim adormecer.

Mais uma vez parabéns. Lembraste que é bom vir cá ler.

maria said...

Obg aos meus dois conselheiros literarios por excelencia:)